Em processos de inventário e partilha dos bens, é comum que haja conflitos de interesses entre os herdeiros. Isto, por sua vez, dificulta o andamento da ação levando, sobretudo, ao atraso no encerramento desse tipo de processo. Contudo, para evitar esses conflitos e dar mais fluidez as negociações, muitos recorrem a chamada cessão de direitos hereditários.

Basicamente, a cessão de direitos hereditários é um instrumento previsto no artigo 1.793 do Código Civil, que viabiliza aos herdeiros a possibilidade de ceder seus direitos na herança para outra pessoa, seja por venda ou doação.

Como é feita a cessão de direitos hereditários

A cessão de direitos hereditários é feita através de um contrato firmado entre o herdeiro que deseja ceder seus direitos e a pessoa que receberá esses direitos, chamada de cessionário. Essa cessão não confere a qualidade de herdeiro, mas apenas os direitos patrimoniais provenientes da sucessão.

É importante ressaltar que o cessionário não assume a posição de herdeiro, pois o herdeiro apenas transfere sua parte correspondente dos direitos hereditários que teria naquele momento. Além disso, na cessão de direitos hereditários, é essencial destacar que o cedente assegura a existência do direito cedido, porém não garante a existência dos bens, a menos que haja uma cláusula expressa em contrário.

Vamos considerar um caso comum no cotidiano: é frequente a negociação por meio de direitos hereditários, transferindo uma parcela da herança que é indivisível. No entanto, na maioria das vezes, o cessionário acredita que está adquirindo um bem específico da herança ou uma cota avaliada em determinado valor. No entanto, o valor exato da herança só pode ser conhecido no momento da partilha. Portanto, podemos afirmar que o cessionário está adquirindo algo incerto, pois somente ao final da partilha ele terá conhecimento do valor exato.

Dessa forma, é importante enfatizar que o herdeiro não garante ao cessionário a existência de algum patrimônio a ser recebido. No entanto, o herdeiro tem a obrigação de garantir sua condição de herdeiro. Por exemplo, se alguém questionar a qualidade de herdeiro por meio da indignidade, e o juiz aceitar o questionamento, nesse caso, o herdeiro que cedeu seus direitos terá a responsabilidade de indenizar o cessionário. Porém, isso não ocorre quando o valor recebido pelo cessionário ao final da partilha é inferior ao valor que ele pagou ao herdeiro, pois nesse caso o herdeiro não tinha como garantir ao cessionário o valor exato que receberia, e é por isso que se trata de um negócio de risco.

A cessão dos direitos hereditários é um ato jurídico de natureza translativa entre pessoas vivas e só pode ser realizado após a abertura da sucessão, que ocorre com o falecimento do titular dos bens. Portanto, é importante ressaltar que não é permitida a cessão de direitos hereditários enquanto o proprietário do patrimônio estiver vivo.

Tal prática é conhecida como “Pacta Corvina”, termo que faz referência à negociação da herança de uma pessoa viva e que é vedada pelo artigo 426 do Código Civil. Esse ato, caso ocorra, será declarado nulo de pleno direito, pois trata-se de uma ilicitude.

É interessante observar a correlação existente em nosso sistema jurídico, onde a expressão em latim “Pacta Corvina” possui o significado de “acordo do corvo”. Esse termo alude ao comportamento alimentar da ave, que aguarda a morte de suas presas para se alimentar dos restos mortais

Os pontos importantes para um cessão de direitos hereditários eficaz

Prazo: A cessão de direitos hereditários poderá ser realizada a partir da abertura da sucessão (morte) até a patilha dos bens, uma vez que, após esse ponto, os bens já estão devidamente individualizados para cada herdeiro, caracterizando uma transação de compra e venda. Importante destacar que não é necessária a abertura de inventário, pois a falta deste não impossibilitará a cessão dos direitos hereditários, pois esse direito está condicionado a abertura da sucessão que ocorre naturalmente com a morte do de cujos, e não com a abertura do inventário.

Trata-se de negócio aleatório (contrato de risco): O cedente assegura a existência do direito cedido, porém não garante a existência dos bens, a menos que haja uma cláusula expressa em contrário. Portanto, trata-se de um negócio sujeito a incertezas.

Vamos considerar o exemplo de João, que faleceu e deixou três bens para seus três herdeiros. Um dos herdeiros decide vender seus direitos sobre 1/3 da herança através de uma cessão de direitos hereditários. Nesse caso, o comprador (cessionário) assume o direito de receber 1/3 da herança deixada por João. É importante ressaltar que, no momento da cessão, não se tem conhecimento preciso do valor da herança, uma vez que a partilha ainda não foi realizada, o que se tem é apenas um estimativa do valor.

Portanto, no exemplo dado, o comprador poderia pagar um valor de R$ 100.000,00 por 1/3 da herança, na expectativa de receber um valor igual ou maior. No entanto, ao final do processo de partilha é possível que o comprador acabe recebendo um valor inferior ao que esperava.

Forma: A transferência de direitos hereditários exige uma escritura pública em um cartório de títulos e documentos, sob pena de nulidade por não observar a forma prescrita em lei, uma vez que o Código Civil considera o direito à sucessão como um bem imóvel (art. 80, II c/c art. 1793CC). Assim, a formalidade torna-se indispensável nesse contexto. No documento público, é necessário indicar se a cessão de direitos hereditários é gratuita ou onerosa, bem como descrever detalhadamente os bens que compõem a herança. Além disso, é importante especificar se a cessão abrange a totalidade da herança ou apenas uma parte dela, no caso de existir apenas um herdeiro, ou se abrange a totalidade do quinhão ou apenas uma parte dele.

Cláusula de Inalienabilidade em testamento: Quando se trata de testamentos, é possível que o testador opte por incluir uma cláusula de inalienabilidade, com o objetivo de impedir a transferência dos direitos hereditários. Nesse cenário, os herdeiros ficam proibidos de ceder tais direitos. É fundamental ressaltar que essa intenção do testador precisa ser justificada, pois, caso contrário, a cláusula testamentária pode ser considerada ineficaz, o que permitiria ao herdeiro realizar a cessão dos direitos hereditários.

Outorga uxória ou marital: A assinatura do cônjuge é necessária, exceto quando o regime de separação total de bens é aplicado (conforme estabelecido no artigo 1.647, I), podendo resultar na anulabilidade. Portanto, caso o cônjuge não concorde com a cessão de direitos hereditários e acredite que essa transação legal esteja prejudicando-o, ele poderá solicitar sua anulação.

Cessão de Direitos hereditários sobre bem específico

De acordo com o nosso Código Civil, a cessão de direitos hereditários que envolve um bem considerado singularmente é considerada ineficaz, e não nula, conforme estabelecido no artigo 1.793, §2º. No entanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que, se todos os herdeiros concordarem, a cessão de direitos hereditários torna-se eficaz.

Por exemplo, imagine que João tenha deixado 3 filhos e 3 imóveis (imóvel A, B e C). Um dos filhos de João decide vender sua parte da herança e realiza a cessão de direitos hereditários para Maria, destinando o imóvel B a ela. Seria essa situação possível? Sim, de acordo com a decisão do STJ, se todos os herdeiros concordarem, essa cessão de direitos hereditários será eficaz.

ACÓRDÃO: “EMBARGOS DE TERCEIRO. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. BEM DETERMINADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO. EFICÁCIACONDICIONADA QUE NÃO IMPEDE A TRANSMISSÃO DA POSSE. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro. (Inf. 672 – REsp 1.809.548-SP, Rel. Min. Ricardo Villas”. 

No acórdão mencionado, foi estabelecido que em relação à existência, validade e eficácia da cessão de direitos hereditários sobre um bem específico da herança, observa-se o seguinte:

a) A cessão de direitos hereditários sobre um bem singular, desde que realizada por meio de escritura pública e não envolvendo direitos de incapazes, não é um negócio jurídico nulo ou inválido, mas sua eficácia está condicionada à ocorrência futura e incerta, que é a efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente durante a partilha;

b) A ineficácia ocorre apenas em relação aos demais herdeiros;

c) Se a cessão for feita pelo único herdeiro ou com o consentimento de todos os coerdeiros, o negócio é válido e eficaz desde o seu início, sem a necessidade de autorização judicial, pois a lei busca evitar que um único herdeiro, em prejuízo dos demais, aliena um bem que ainda não lhe pertence;

d) Se o negócio não é nulo, mas tem apenas sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre um bem singular possibilita a transmissão da posse, que pode ser objeto de proteção específica por meio dos embargos de terceiro.

Além disso, conforme o §1º do art. 1793: Se, após a cessão dos direitos hereditários, o cedente for beneficiado com a renúncia de um dos demais herdeiros, essa parte não será transferida para o cessionário. Isso ocorre porque, se houver substituição ou direito de acrescer em favor do cedente, os direitos decorrentes dessas situações não estão abrangidos pela cessão, a menos que haja previsão em contrário. Isso se deve ao fato de que o direito é transferido ao cessionário, mas não a qualidade de herdeiro. Resumindo, o cessionário não tem direito de acrescer.

Cessão de direitos hereditários e o direito de preferência.

Tenha cuidados especiais se for negociar uma cessão de direitos hereditários. Pois, até a partilha, os herdeiros são considerados condôminos, o que significa que as regras de preferência devem ser aplicadas.

O direito de preferência é um direito potestativo, ou seja, incontestável pela parte, que pode ser exercido por meio da chamada ação de preferência, com o objetivo de declarar que a cessão não terá efeitos em relação a outros herdeiros. Conforme o Art. 1794, um co-herdeiro não pode ceder sua parte a um estranho se outro co-herdeiro estiver disposto a adquiri-la nas mesmas condições oferecidas.

Portanto, o herdeiro que pretende realizar a cessão de diretos hereditários deve notificar os demais herdeiros. Essa notificação deve ser feita de forma que possa ser comprovada posteriormente, incluindo as condições do negócio. O prazo para os herdeiros manifestarem seu interesse deve ser razoável, como por exemplo, 30 dias (o prazo não está especificado no código civil).

Conforme o Art. 1795, se não for concedido o direito de preferência, o herdeiro prejudicado pode adquirir a parte para si, mediante o depósito do valor, dentro de 180 dias a partir da data em que teve conhecimento da alienação. Os réus nessa ação serão o cedente (herdeiro) e o cessionário (comprador).

Também destacamos que se os herdeiros vislumbrarem algum prejuízo com o desfazimento de bens em virtude da cessão de direitos hereditários, eles podem pleitear uma tutela de urgência junto com a ação do direito de preferência para determinar o bloqueio de bens a fim de evitar que o cessionário transmita o patrimônio para terceiros.

Além disso, é importante ressaltar que, caso os herdeiros percebam algum prejuízo decorrente da alienação dos bens em virtude da cessão dos direitos hereditários, eles têm o direito de solicitar uma tutela de urgência juntamente com a ação do direito de preferência, a fim de bloquear os bens e evitar que o cessionário transfira o patrimônio para terceiros.

O valor depositado deve ser repassado ao cessionário, evitando a necessidade de uma nova ação judicial. No entanto, isso não impede que o cessionário entre com uma ação buscando reparação de eventuais danos, dentro do prazo prescricional de 3 anos.

É possível solicitar a tutela provisória para impor restrições aos imóveis, a fim de evitar prejuízos a terceiros.

Cabe ao réu comprovar que notificou os demais herdeiros para o exercício do direito de preferência. Já no caso de legado, não existe direito de preferência, pois trata-se de um bem individualizado (não há condomínio).

O direito de preferência somente pode ser exercido em casos de cessões de direitos hereditários  onerosas a terceiros. Se a cessão for gratuita ou se for feita para outro co-herdeiro, não existe o direito de preferência.

Quais documentos precisa para fazer uma cessão de direitos hereditários

Para fazer uma cessão de direitos hereditários, são necessários alguns documentos específicos, que podem variar de acordo com a legislação de cada estado brasileiro. No entanto, de modo geral, os documentos necessários são os seguintes:

  • Escritura pública de cessão de direitos hereditários ou instrumento particular de cessão de direitos hereditários, com firma reconhecida das assinaturas dos envolvidos;
  • Certidão de óbito do titular da herança (falecido);
  • Certidão de casamento do falecido, se houver;
  • Certidão de nascimento dos herdeiros;
  • Documentos pessoais dos envolvidos na cessão, como RG, CPF e comprovante de residência.
  • Comprovante de recolhimento do ITBI caso a cessão seja onerosa ou do imposto de doação ITCD caso a cessão seja gratuita.

É exigida a outorga uxória (da esposa ou marido), a menos que o regime de separação total de bens seja aplicado.

Além desses documentos, pode ser necessário apresentar outros documentos específicos, como a certidão negativa de débitos fiscais e tributários, dependendo do estado e do valor da herança envolvida.

Como fica a cessão de direitos hereditários com o novo código

O Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) manteve a possibilidade de cessão de direitos hereditários, prevista já no CDC anterior. No entanto, o novo código estabeleceu algumas regras específicas que devem ser seguidas para que a cessão de direitos hereditários seja válida.

Uma das principais mudanças em relação ao código anterior diz respeito à necessidade de autorização dos demais herdeiros para que a cessão seja válida. Isso significa que, mesmo que um herdeiro ceda seus direitos a terceiros, os demais herdeiros devem concordar com a transferência para que ela tenha efeito.

Outra novidade diz respeito ao prazo para a aceitação da herança, que agora é de 30 dias, contados a partir do momento em que o herdeiro tem ciência da abertura da sucessão. Se o herdeiro não aceitar ou renunciar à herança nesse prazo, a renúncia será feita automaticamente.

Além disso, o novo código prevê que a cessão de direitos hereditários deve ser feita por meio de escritura pública ou por instrumento particular, com firma reconhecida das assinaturas dos envolvidos. O registro em cartório também continua sendo obrigatório para que a cessão seja válida perante terceiros.

Quem pode fazer cessão de direitos hereditários

Basicamente, qualquer herdeiro capaz pode fazer a cessão de direitos hereditários, desde que sejam cumpridos os requisitos legais, como:

  • Fazer a cessão de direito por meio de escritura pública
  • Respeitar a quota-parte dos demais herdeiros
  • Respeitar o direito de preferência dos demais herdeiros.
  • Ser capaz civilmente. Caso não seja, obter autorização judicial para fazer a cessão de seus direitos de herança
  • Obter autorização do cônjuge, caso o cedente seja casado

Além disso, vale lembrar que a cessão de direitos hereditários somente pode ser feita durante o período de abertura da sucessão e partilha dos bens. Além disso, o cedente deve dar preferência aos demais herdeiros como cessionários.

De modo geral, a cessão de direitos hereditários é um assunto complexo e que envolve questões jurídicas delicadas. Por isso o ideal é buscar a orientação de um advogado especializado em direito de sucessões para elaborar o contrato e realizar todos os procedimentos necessários de forma adequada e segura.

 

Perguntas mais frequentes sobre a cessão de direitos hereditários.

1- Como funciona a cessão de direitos hereditários?

Resposta: A cessão de direitos hereditários é feita através de um contrato firmado entre o herdeiro que deseja ceder seus direitos e a pessoa que receberá esses direitos, chamada de cessionário. Essa cessão não confere a qualidade de herdeiro, mas apenas os direitos patrimoniais provenientes da sucessão.

2- Quais os requisitos para realização de uma cessão de direitos hereditários?

Resposta: Qualquer herdeiro capaz pode fazer a cessão de direitos hereditários, desde que sejam cumpridos os requisitos legais: agente capaz; objeto lícito possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não proibida em lei.

3- É válido o contrato particular de cessão de direito à herança?

Resposta: Não. A transferência de direitos hereditários exige uma escritura pública em um cartório de títulos e documentos, sob pena de nulidade por não observar a forma prescrita em lei.

4- Como registrar uma escritura de cessão de direitos hereditários?

Resposta: A transferência de direitos hereditários é registrada através de uma escritura pública em um cartório de títulos e documentos.

5- Precisa de advogado para fazer cessão de direitos hereditários?

Resposta: Embora a Lei não requisite a presença de um Advogado para a realização da Cessão de Direitos Hereditários, é altamente recomendável, como precaução geral, consultar e contar com a assistência de um ADVOGADO ESPECIALIZADO antes de proceder com um negócio jurídico de tamanha importância.

 

A Mozer Advocacia é um escritório que conta com profissionais especializados em direito de sucessões e que estão sempre prontos para oferecer as melhores soluções aos nossos clientes. Entre em contato conosco e saiba como podemos ajudar no processo de cessão de direitos hereditários.